top of page

RESENHA: Deleuze - Conversações

Foto do escritor: Ester  Paniz OliveiraEster Paniz Oliveira

Resenha do livro Conversações do filósofo Gilles Deleuze.


Imagem criada pelo blog, texto utilizado é uma citação direta (DELEUZE, 2013, p. 16)

O livro Conversações é um compilado de textos de entrevistas concedidas por Gilles Deleuze ao longo de vinte anos, unindo também algumas cartas e ensaios literários. Ele próprio os reuniu, justificando em sua apresentação que a filosofia não é uma potência como a ciência ou o capitalismo, portanto não pode batalhar nem se comunicar com elas, mas pode guerrilhar e manter conversações, sendo que algumas destas conversações podem perdurar por muito tempo.


O livro é organizado em cinco capítulos: I - De o Anti-Édipo a Mil Platôs; II - Cinema; III - Michel Foucalt; IV - Filosofia; V - Política. Essa organização é referente ao tema que as entrevistas e textos vão tratar.


No primeiro capítulo, meu preferido, há a carta que Deleuze escreveu a um “crítico severo”. Nesta carta Deleuze explica a ele que há duas maneiras de ler um livro. A primeira é a leitura que busca por um significado, a qual ele comparou a uma caixa que remete a um dentro, ou seja, você abre o livro para buscar o que tem dentro, compreender, interpretar, saber explicar o que está ali. E a segunda é a leitura em intensidade, em que o livro se relaciona com um fora, sem busca de uma explicação, interpretação ou compreensão. Dessa forma, Deleuze fala da importância de ler os seus livros com a mente aberta, indicando ainda em especial para pessoas entre quinze e vinte anos, pois estariam menos “infectadas” pela Psicanálise. Segundo Deleuze, o crítico não entendeu a sua obra porque não se deve buscar pelo significado dela, tão pouco estar tão agarrado à Psicanálise.


Apreciei muito a maneira como Deleuze e Guattari explanaram sobre como foi trabalhar juntos e a percepção deles sobre a escrita. Segundo Deleuze, na entrevista sobre o Anti-Édipo,

“Félix trata a escrita como um fluxo esquizo que arrasta em seu curso todo tipo de coisas. Quanto a mim, interessa-me que uma página fuja por todos os lados, e no entanto que esteja bem fechada sobre si mesma, como um ovo” (DELEUZE, 2013, p. 24).

É uma comparação bem interessante, escrever de modo que se pareça com um ovo. Entendo que Deleuze quer dizer que a sua escrita é algo amplo, que desliza sobre os ambientes, que não se deixa ser pego por inteiro sem que que algo escorregue por outros lados, por outros espaços. Porém, essa amplitude se comporta dentro de uma fina camada temática que permite um mínimo de delimitação necessária para fazermos uso dela.


Ao longo da leitura deste livro, percebi que Deleuze se desvinculou da Psicanálise, não por críticas de impossibilidade de um inconsciente por exemplo, mas por ser necessário criticá-la e reinventar o modo de olhar os sujeitos. Acredito que a principal crítica que ele pôde inferir à Psicanálise é na página 28, quando afirma que ela neurotiza tudo, condenando o neurótico à uma cura interminável e ao psicótico um sujeito impossibilitado ao Édipo, fracassando na abordagem da esquizofrenia. Concordo com ele pelo fato de que a Psicanálise, Freud em especial, se importou apenas com o tratamento de neuróticos, não dedicando maiores pesquisas e análises em psicóticos, mas afirmando a impossibilidade de tratá-los psicanaliticamente.

Ao longo da leitura deste livro, percebi que Deleuze se desvinculou da Psicanálise por ser necessário criticá-la e reinventar o modo de olhar os sujeitos.

Ainda nesta entrevista, apesar de não ter lido Mil Platôs, me chamou a atenção a relação que ele faz sobre o rizoma e a criação de conceitos na filosofia, a cartografia e a esquizoanálise, e os próprios nomes dos conceitos que dizem muito sobre o sentido deles. Primeiramente Deleuze lembra que a filosofia se ocupa de conceitos, e um conjunto de conceitos forma um sistema, e o rizoma se constitui como um sistema aberto. Um sistema aberto seria “quando os conceitos são relacionados a circunstâncias, e não mais a essências. Mas por outro lado, os conceitos não são dados prontos, eles não preexistem: é preciso inventar, criar os conceitos” (DELEUZE, 2013, p.46).


O segundo capítulo do livro trata sobre o Cinema. Foi o capítulo mais difícil para ler, pois não possuo muitos conhecimentos sobre o cinema e demorei até perceber a relação que ele buscou estabelecer entre cinema e a sua filosofia. Destaco o seguinte trecho que me fez sentido neste capítulo:

“A relação cinema-filosofia é a relação da imagem com o conceito. Mas no próprio conceito existe uma relação com a imagem, e na imagem uma relação com o conceito: por exemplo, o cinema sempre quis construir uma imagem do pensamento, dos mecanismos do pensamento. E ele não é nada abstrato para isso, ao contrário” (DELEUZE, 2013, p. 87).

O capítulo sobre Michel Foucault é bem interessante, pois em cada resposta das entrevistas que Deleuze respondeu fica evidente a grande admiração que ele tinha por Foucault e sua filosofia. Respondendo a pergunta se o livro Foucault que ele escreveu seria ou não um apelo para prosseguirem o trabalho deste filosófo, superando as tentativas de retrocessos, Deleuze afirma “talvez” ser isso mesmo.


No quarto capítulo, há diversos ensaios sobre filosofia. Em suma, Deleuze deixou claro que a filosofia não é reflexiva nem contemplativa, mas sim é criadora, consistindo em inventar conceitos.

E o conceito é “o que impede que o pensamento seja uma simples opinião, um conselho, uma discussão, uma tagarelice” (DELEUZE, 2013, p. 174).

O último capítulo e o mais pequeno, tratando sobre política, desejo destacar uma definição muito interessante que Deleuze fez sobre minorias e maiorias, afirmando que não são os números que as distinguem, mas sim o “modelo ao qual é preciso estar conforme: por exemplo, o europeu médio adulto macho habitante das cidades… Ao passo que uma minoria não tem modelo, é um devir, um processo”. E, continuando, ele diz a frase que me impactou:

“quando uma minoria cria para si modelos, é porque quer tornar-se majoritária” (DELEUZE, 2013, p. 218).

Não tenho o que comentar sobre essa última frase, mas ela continua ecoando na minha mente e fazendo conexões sem fim que ainda não possuem uma delimitação concreta - como um “ovo ainda sem casca”.


Nesta leitura, meu objetivo era conhecer quem é este autor, filósofo, Gilles Deleuze. Não no sentido de buscar por um biografia dele, mas de me aproximar da sua escrita, das suas ideias. De forma geral apreciei a leitura, em especial o primeiro capítulo, e simpatizei com este filósofo, por sua sinceridade e ousadia de expor suas criações e defendê-las. Aliás, para quem ainda não leu nenhum livro deste autor, recomenda-se começar com este.

 

Referências

DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. 3ª ed. São Paulo: Editora 34, 2013.


Citações utilizadas nas imagens, podem ser encontradas nas páginas 16 e 45.

875 visualizações2 comentários

Posts recentes

Ver tudo

2 ความคิดเห็น


Rosélia Sousa Silva
Rosélia Sousa Silva
24 พ.ย. 2564

Vou utilizar na minha tese uma imagem retirada da sua resenha, devidamente referenciada 😉

ถูกใจ

Rosélia Sousa Silva
Rosélia Sousa Silva
24 พ.ย. 2564

Ester, que resenha linda. Parabéns!

ถูกใจ
bottom of page